Ministro Henrique Neves da Silva, do
Tribunal Superior Eleitoral, no corpo de seu voto para a concessão de medida
liminar em mandado de segurança, suspendendo os efeitos de ato do TRE do Pará de cassação do mandato do
prefeito Municipal de Bagre, Cledson Farias Lobato Rodrigues, deixou claro que
o tribunal não deveria ter afastado o político do cargo.
Leiam o voto do ministro Henrique Neves:
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DECISÃO
Cledson Farias Lobato Rodrigues, prefeito
municipal de Bagre/PA, impetra mandado de segurança, com pedido liminar, para
sustar os efeitos de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral do
Pará, pelo qual se julgou procedente a Representação nº 3227-53, proposta
contra o autor e Edilberto Prudente Vulcão, Secretário de Assistência Municipal
da referida localidade, bem como contra Cledson Farias Lobato Rodrigues,
candidato ao cargo de deputado estadual nas Eleições 2010, pela conduta vedada
no art. 73 da Lei nº 9.504/97.
O autor alega, em suma, que:
a) foi eleito prefeito nas eleições de 2008
e reeleito em 2012, com o registro de candidatura deferido e transitado em
julgado, tendo sido diplomado sem questionamentos por meio de recurso contra
expedição de diploma e ação de impugnação de mandato eletivo;
b) a autoridade coatora, de forma
teratológica, anulou o diploma e cassou seu mandato eletivo, no âmbito de uma
representação que versa sobre fatos relacionados às eleições de 2010, na época
em que exercia seu primeiro mandato de prefeito em Bagre/PA;
c) foi acionado nesta representação
eleitoral por supostamente ter beneficiado seu pai Cleber Edson dos Santos
Rodrigues, então candidato a deputado estadual;
d) a ação foi julgada procedente para
alcançar seu diploma obtido em pleito posterior, com determinação de
cumprimento imediato do julgado;
e) seria cabível o mandado de segurança por
inconstitucionalidade e ilegalidades que afrontam o direito líquido e certo do
impetrante de não sofrer cassação de mandato eletivo obtido em 2012 – por
procedência de ação de investigação judicial eleitoral relativa às eleições de
2010 -, razão pela qual deveria aguardar no cargo o julgamento de embargos de
declaração opostos no referido processo;
f) a via do mandado de segurança seria
admitida, porque o caso se reveste de absoluta anormalidade jurídica, porquanto
destoa do objeto do processo e ultrapassa a legalidade e os próprios poderes do
juiz;
g) a jurisprudência desta Corte Superior
admite a impetração contra decisão que determina cumprimento imediato de
acórdão antes da interposição, julgamento e publicação do acórdão alusivo ao
julgamento dos declaratórios, invocando a decisão individual proferida pelo
Ministro Admar Gonzaga no MS nº 669-93, bem como aquelas proferidas pela
Ministra Luciana Lóssio e pelo Ministro Castro Meira;
h) "entendeu o TRE/PA pela viabilidade
jurídica de desconstituição automática do diploma do Embargante referente às
eleições de 2012 (eleição municipal) em razão de procedência de Representação
das eleições de 2010 (deputado estadual) através de distorcida interpretação
conferida ao art. 15 da LC 64/90″ (fl. 7);
i) o órgão coator violou disposições legais
e constitucionais, deturpando o sistema normativo eleitoral no que acabou por
desvirtuar o objeto, a causa de pedir e o pedido no âmbito da representação, em
manifesta ilegalidade e abuso de poder;
j) o mandato eletivo do impetrante deve ser
protegido em razão da coisa julgada, já que sua candidatura foi deferida, em
decisão irrecorrível, e não foi ajuizada nenhuma ação eleitoral contra ele,
apta a atingir por inelegibilidade o registro, o diploma ou o mandato;
k) a jurisprudência do Tribunal Superior
Eleitoral tampouco admite apuração de inelegibilidade de ofício ou por meio de
outras ações, senão por aquelas expressamente previstas na legislação;
l) o órgão coator confundiu a causa da
inelegibilidade (representação julgada procedente) com a consequência dessa
procedência, que deve ser apurada tão somente no processo de registro ou no
recurso contra expedição de diploma, em face de eventual inelegibilidade
superveniente;
m) a ação julgada pela Corte de origem
somente pode implicar eventual cassação de registro ou diploma dos candidatos
que concorreram no pleito de 2010;
n) o direito líquido e certo ao devido
processo legal não foi observado, na medida em que o impetrante não respondeu
ação que teria repercussão em seu mandato eletivo de prefeito conquistado em
2012, até porque seria um pedido, na presente demanda, juridicamente
impossível, já que a ação foi proposta em 2010 e o mandado se iniciou em 2013;
o) "o próprio art. 15 da LC 64/90,
cujo sentido foi completamente desvirtuado pelo Regional, possui comando de que
a decisão que declarar a inelegibilidade será comunicada ao MPE ou Juiz
encarregado do registro ou da expedição de diploma, o que remete
necessariamente a outro procedimento, inviabilizando a aplicação imediata de
cancelamento de diploma" (fl. 13);
p) a autoridade coatora não tem competência
para cassar originariamente mandato de prefeito municipal, em sede de
representação ou AJIE, em face da regra expressa de competência do art. 24 da
LC nº 64/90;
q) a determinação pela autoridade coatora
de posse do vice-prefeito é a demonstração inequívoca da teratologia da decisão
do Tribunal paraense, dada a indivisibilidade da chapa e o litisconsórcio
passivo necessário nas ações que possam resultar desconstituição de diploma ou
cassação do mandato eletivo.
Em face de tais argumentos, o impetrante
pede a concessão de medida liminar "para suspender os efeitos do Acórdão
na parte que anulou o diploma e cassou o mandato até julgamento final do
Mandado de Segurança; alternativamente requer a concessão da liminar até o
julgamento e publicação dos Embargos de Declaração ou até que se inaugure a
jurisdição cautelar do Tribunal Superior Eleitoral" (fl. 20).
E, ao final, requer: "seja confirmada
a liminar ora pleiteada e concedida a segurança para (i) anular o Acórdão Regional
na parte que desconstituiu o diploma e decretou a cassação do mandato eletivo
do Impetrante e (ii) anular a parte do acórdão que determinou a imediata
execução do julgado antes do julgamento dos embargos de declaração" (fl.
21).
É o relatório.
Decido.
A Lei nº 12.016, de 2009, estabelece no
art. 5º, inciso II, o não cabimento de mandado de segurança quando se tratar
"de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo".
Tal óbice, contudo, não se aplica ao
presente caso, pois os recursos cabíveis, em tese, contra a decisão proferida
pelo Tribunal Regional Eleitoral do Pará não possuem efeito suspensivo, por
força do art. 257 do Código Eleitoral.
Por outro lado, este Tribunal já decidiu
que "o mandado de segurança não é via adequada para que se alcance efeito
suspensivo de acórdão do Tribunal Regional passível de recurso para o c. TSE.
Precedentes: AgR-MS n° 3. 923/CE, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 26.9.2008;
AMS nº 13.447/MG, rel. Min. José Gerardo Grossi, DJ de 9.5.2007″ (AgR-MS n° 4.216,
rel. Min. Felix Fischer, DJE de 10.9.2009).
Entretanto, em diversas oportunidades, este
Tribunal já ressalvou a possibilidade da utilização do mandado de segurança ¿em
hipótese excepcional, em que esteja evidenciada situação teratológica e
possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação" (AgR-MS n.
3.845, rel. Min. Felix Fischer, DJ de 5.9.2008). No mesmo sentido: AgR-MS nº
4.210, rel. Min. Arnaldo Versiani, DJE de 18.6.2009; AgR-MS nº 1319-48, rel.
Min. Arnaldo Versiani, DJE de 6.10.2010; AgR-MS 1695-97, rel. Min. Marcelo
Ribeiro, DJE de 16.12.2011; MS 72-61, rel. Min. Gilson Dipp, DJE de 18.6.2012;
e, MS nº 178-86, rel. Min. Castro Meira, DJE de 22.8.2013).
Na mesma linha, já afirmei, como relator do
AgR-AgR-MS
Nº 187-48, DJE de 27.6.2013, que ¿o mandado
de segurança impetrado nesta Corte não se presta, em regra, à análise dos
pressupostos para a concessão de medida cautelar ajuizada perante a Corte
Regional Eleitoral, pois o exame de tal matéria compete àquela instância. “Tal
entendimento pode ser excepcionado em situações peculiares, em que se
evidencia, diante das circunstâncias do caso concreto, manifesta ilegalidade ou
teratologia da decisão atacada”.
Assim, diante dos precedentes apontados, o
próprio cabimento do mandado de segurança está atrelado à verificação de
situação teratológica ou de patente ilegalidade.
Neste juízo preliminar e efêmero, contudo,
não se mostra possível uma completa análise do extenso acórdão regional que, em
suma, por unanimidade rejeitou as preliminares de cerceamento de defesa e
julgou procedente a representação e, por maioria, determinou o cumprimento
imediato do acórdão e o consequente afastamento do impetrante do cargo por ele
exercido.
A partir de uma rápida leitura do acórdão
regional, depreende-se que a acusação inicial de captação ilícita de sufrágio
que teria ocorrido nas eleições de 2010 não foi reconhecida pela instância a qual.
Contudo, por aplicação da teoria da
substanciação, a Corte Regional, também considerando os fatos ocorridos nas
eleições de 2010, entendeu configurada a prática de conduta vedada prevista nos
incisos I e II do art. 73 da Lei nº 9.504/97. Em razão disso, a representação
foi julgada procedente, com a aplicação de multa aos representados condenados e
a cassação do diploma de suplente de deputado do pai do impetrante, cargo este
conquistado nas referidas eleições de 2010.
Em relação ao prefeito, eleito em 2008 e
reeleito em 2012, o voto condutor do acórdão consignou a PROCEDÊNCIA da
Representação para condenar o Representado CLEDSON FARIAS LOBATO RODRIGUES com
base no §§4° e 8° do artigo 73 da Lei nº 9504/97, com a aplicação de multa
proporcional no valor igual de 80.000 (oitenta mil) UFIR, deixando de cassar o
diploma por conduta vedada, em vista da impossibilidade nesta situação específica"
(fl. 114).
Mas, em seguida, a relatora na origem disse
(fls. 114-115):
[...] Com fulcro na alínea j, do inciso l
do artigo 1° e no artigo 15 da LC nº 64/90, DECLARO A INELEGIBILIDADE do
representado Cledson Farias Lobato Rodrigues e, em consequência, a NULIDADE do
diploma expedido por ocasião do Registro de Candidatura de 2012 que, por sua
vez possui como efeito lógico, a CASSAÇÃO DO MANDATO de Prefeito. Como a
inelegibilidade possui caráter pessoal, a vaga deve ser preenchida pelo
Vice-Prefeito. Em obediência ao parágrafo único do artigo 15, após a publicação
deste Acórdão, COMUNIQUE-SE imediatamente ao Ministério Público Eleitoral e ao
Juízo da 15ª ZE para que tomem as providências necessárias para o cumprimento
deste decisório [...].
[...]
Assim, em suma, restou consignado no
acórdão regional que o mandato do prefeito não poderia ser cassado em razão da
prática de conduta vedada nas eleições de 2010, pois ele fora eleito em 2008 e
reeleito em 2012, mas, em ato contínuo, a sua inelegibilidade foi declarada e,
como consequência lógica, determinada a cassação de seu mandato, "por
efeito automático do mandamento do artigo 15 das LC n 64/90″ (fl. 112).
Neste primeiro e superficial exame da
impetração, considero que a situação apresentada possui excepcionalidade
suficiente para permitir a tramitação do mandado de segurança, ao menos para
que as informações possam ser colhidas e o Ministério Público Eleitoral possa
se manifestar, como requerido pelo impetrante.
E, diante dessa excepcionalidade, examino o
pedido de liminar pleiteado.
O perigo na demora da prestação
jurisdicional é evidente, uma vez que determinado o imediato afastamento do
impetrante do cargo de prefeito, a partir da publicação do acórdão regional que
foi divulgada no Diário da Justiça Eletrônico de ontem, 10 de outubro (fls. 38
e 53).
No que tange à relevância dos fundamentos
postos na inicial, há, realmente, que se salientar que os fatos considerados
como suficientes para a caracterização da conduta vedada não se referiram,
propriamente, às eleições municipais disputadas pelo Impetrante em 2008 e 2012,
uma vez que dizem respeito à eleição de 2010, na qual o pai do autor foi eleito
suplente de deputado estadual.
O órgão coator considerou que tal fato não
impediria a cassação do diploma do recorrente, com base no art. 15 da Lei
Complementar nº 64/90, uma vez que a condenação por conduta vedada, por decisão
colegiada, atrairia a inelegibilidade do impetrante, a teor do disposto na
alínea j do art. 1º, I, da referida norma.
No ponto, o impetrante alega que a
interpretação do art. 15 da LC nº 64/90 teria sido desvirtuada pelo Tribunal
Regional Eleitoral, porquanto tal disposição expressamente estabelece, em seu
parágrafo único, que a decisão que declarar inelegibilidade será comunicada ao
Ministério Público ou ao Juiz responsável pelo registro de candidatura ou
diplomação, o que remeteria a outro procedimento para fins de cancelamento de
diploma.
E, a esse respeito, a aplicação do art. 15
da LC nº 64/90, no caso, revela-se não como um efeito imediato da declaração de
inelegibilidade.
Também é relevante no presente caso que o
acórdão proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Pará foi tomado em sede
de ação originária que versa sobre a expedição de mandato de deputado estadual,
razão pela qual ela pode ser desafiada por meio de recurso ordinário, na forma
do art. 121, § 4º, III, da Constituição da República.
Igualmente, é relevante saber se os fatos
contidos no acórdão regional, que poderão ser amplamente revistos por este
Tribunal em sede ordinária, efetivamente caracterizam a prática de conduta
vedada e se, a partir de um juízo de razoabilidade e proporcionalidade, a
sanção de cassação de diploma realmente se impõe.
De outro modo, também é necessário
ressaltar que, em tese, a inelegibilidade prevista na alínea j do art. 1º, I,
da LC 64/90 somente fica configurada quando há a cassação do diploma ou do
registro.
Todas essas questões serão mais bem
examinadas no momento oportuno por esta Corte Superior.
Todavia, neste instante, repito – efêmero
-, a conclusão adotada pela Corte Regional paraense aparenta ter certa
discrepância com o próprio conceito de inelegibilidade, que, em síntese,
significa a impossibilidade de alguém disputar uma eleição, sendo que a
aferição da sua incidência, tal como a presença das condições de elegibilidade,
se faz no momento do pedido de registro, como determina o art. 11, § 10, da Lei
nº 9.504/97, ou, ainda, em sede de recurso contra expedição de diploma, com
base no art. 262, I, do Código Eleitoral, caso ela seja superveniente à
formalização da candidatura.
Por outro lado, há aparente verossimilhança
nas alegações do impetrante de que o mandato eletivo é protegido pela
Constituição Federal.
Diante do exposto e até que sejam prestadas
as informações e facultada a manifestação do Ministério Público Eleitoral, de
modo a permitir um melhor exame da matéria e da própria viabilidade da via eleita,
entendo ser recomendável suspender a execução do ato atacado, na parte que
determina o afastamento do impetrante do cargo de prefeito, como meio de
resguardar o alegado direito líquido e certo.
Por essas razões, defiro a liminar
pleiteada para suspender os efeitos do ato atacado apenas no que se refere ao
afastamento do impetrante do cargo de prefeito Municipal de Bagre/PA, devendo
ser providenciado o seu imediato retorno, se já consumada a determinação
contida no Acórdão nº 26.249 do Tribunal Regional Eleitoral do Pará.
Esclareço que a liminar ora deferida é
limitada a suspensão do efeito decorrente do ato coator atacado neste writ,
razão pela qual não alcança outras decisões que tenham sido tomadas em outros,
se existentes.
Fonte: Hiroshi Bogea